Há livros que depois de lidos, nos acompanham como um fantasma obediente mas vigilante para que não nos esqueçamos do que apreendemos durante a leitura, é assim o caso com este romance de Ottessa Mosgfegh, que prefigura uma realidade bastante contemporânea envolta em laivos de um surrealismo subtil, a de uma jovem mulher adulta que decide hibernar durante um ano, tendo por fim "renascer" como um novo ser.
A nossa personagem não é uma ursa, é uma jovem mulher descrita por outros e por ela mesmo como muito bela exteriormente e com recursos financeiros abundantes. Além de tudo isso, veste-se com estilo, licenciada em história de arte que reconhece tanto a arte nas telas como no seu guarda-roupa. Se tem tudo para "vencer" na vida contemporânea e se até é o motivo de inveja da sua única e melhor amiga com quem tem uma relação tóxica mas vulnerável, qual a razão da sua hibernação? Estar farta de toda a gente. Parece ser uma razão bastante pueril mas que ganha a sua significância ao longo da sua jornada de hibernação.
Procura a ajuda de uma psiquiatra de profissionalismo dúbio que mais tarde irá de facto, revelar-se o que é, uma xamã moderna com interesses demasiado metafísicos e paranormais para o mundo da psiquiatria, e é minada de vários sedativos e psicofármacos que a nossa heroína pontua a sua jornada de abnegação, auto-destruição e imensamente revelatória da hibernação auto-induzida.
Há quem procure um novo renascimento, uma espécie de detox da alma, seja através de retiros espirituais ou alteradores de consciência, esta heroína procurou-a nos braços firmes mas espinhosos de Morfeu, fazendo de um quarto escuro e impessoal, o anfi-teatro de ânsias, desejos, medos e desejos que se tornam também os nossos, de leitor.
Este é um livro que me acompanhará como um fantasma e ainda bem.

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